Uma história sobre governança na empresa familiar

Governança

Há alguns anos, escutei uma história, quase mítica, sobre Governança em empresas familiares, que quero compartilhar com vocês:

Em uma reunião de grande empresa familiar, o presidente da companhia não se aguentou e disse para todos ouvirem:

– Vou falar a verdade para vocês. Não acho certa essa proposta de termos agora um Conselho de Administração. Onde já se viu contratarmos pessoas de fora para dar palpite no que fazemos? Ou termos que validar nossas decisões com os conselheiros e os acionistas? Isso é um absurdo! Não vamos conseguir trabalhar desse jeito.

Com aquele comentário em tom de desabafo, o jovem comandante do negócio que fora fundado por seu avô mostrava toda a indignação com os passos que os acionistas estavam tomando há cerca de dois anos. Para não jogar tantas responsabilidades nas costas do herdeiro, que representava a terceira geração da família fundadora e que não tinha lá muita experiência executiva, os demais sócios optaram por montar um conselho de administração. Assim, os integrantes desse comitê deveriam, entre outras ações, acompanhar de perto as questões estratégicas da companhia e analisar o trabalho do presidente.

Entretanto, a implementação do conselho era sempre adiada. Era evidente que o presidente estava boicotando a iniciativa dos acionistas. Ele não queria ter que se reportar a ninguém, mas sempre vinha com uma conversinha mole que deveriam escolher o momento certo para montar o comitê. Depois de muitos adiamentos, a pressão para incorporar os conselheiros se tornou insuportável. Foi aí que o presidente explodiu, revelando o desconforto com a ideia dos sócios e que não iria colocá-la em prática tão cedo. 

O reconhecimento explícito de sua má vontade diante dos diretores executivos e dos sócios gerou um enorme bate-boca. Em questão de segundos, a reunião se transformou em um ringue onde agressões verbais e impropérios poderiam ser aplicados sem constrangimento. Alguns diretores deram razão ao chefão. Outros se inclinaram ao ponto de vista dos demais acionistas. Com dois grupos com posições tão contundentes e opostas, a guerra estava criada.

A confusão só parou quando a consultora de uma empresa externa, que fora contratada justamente para implementar o Conselho, se levantou silenciosamente da mesa de reunião e foi até o quadro branco. Aquela inusitada reação dela chamou a atenção de todos. A gritaria e os impropérios pararam milagrosamente. Quando o silêncio voltou a reinar no recinto, ela disse:

– Se vamos abortar o plano do Conselho, para mim tudo bem. Eu só peço uma coisa: que mudemos imediatamente os cargos dos principais executivos da empresa. Feito isso, eu abro mão dos honorários da minha empresa e da multa estipulada no contrato. Além disso, pago do meu bolso qualquer despesa que vocês tenham com minha consultoria.

A reação do presidente e de seus apoiadores foi de alívio. Perto do benefício que teriam com o adiamento do plano dos sócios, inclusive com a isenção da multa pela mudança da estratégia, trocar a nomenclatura dos cargos não era nada complicado. Depois que já haviam concordado com a única condição imposta pela consultora, alguém da empresa perguntou meio que por acaso pelas novas denominações dos cargos. Ela foi categórica:

– A partir de hoje, o Presidente será chamado de Rei. Como ele se acha livre para mandar, não faz sentido ficar com um cargo que remete ao poder executivo. Acho que Rei, Imperador ou Monarca é mais adequado para alguém que deseja ter poderes ilimitados. Mas isso precisa ser instituído e divulgado para o mercado. Tem que estar o site da empresa e no cartão de visita.

As fisionomias alegres se tornaram preocupadas quando a equipe percebeu que a consultora falava sério.

– As duas vice-presidentes serão chamadas de Princesas. Teremos a Princesa Operacional e a Princesa Administrativo-Financeira. Porque não faz sentido termos um Rei e termos vice-presidentes, né? Os diretores serão chamados de condes e condessas e os gerentes de barões e baronesas – Enquanto falava, ela escrevia no quadro branco os novos cargos com uma letra impecável. Ao terminar, retornou para a mesa, guardou suas coisas na mala e se dirigiu à porta – Semana que vem voltarei aqui e quero ver as mudanças feitas.

Na semana seguinte, ela regressou àquela empresa e foi recebida pelo Presidente e pelas Vice-presidentes. Eles disseram que ficaram com vergonha das novas nomenclaturas e acharam por bem implementar o Conselho. A decisão de incorporar os conselheiros era agora unanimidade na companhia.

Essa história singela mostra o quão complicado é lidar no dia a dia com o poder, o ego e a vaidade dos profissionais no ambiente corporativo. A alta administração só aceitou promover a integração dos conselheiros quando viu a vergonha que passaria se optasse pelo outro caminho. Muitas vezes, a pessoa só pensa em seu próprio umbigo e ignora o que é positivo para a organização.

Moral da história: o egocentrismo deve ser trocado pelo bem maior, principalmente quando se ocupa um cargo de alta hierarquia.

E na sua empresa, os profissionais trabalham olhando exclusivamente para seus próprios interesses ou pensam no bem coletivo?


Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.

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