É importante que se diga que cada vez mais a transparência é um valor obrigatório na sociedade contemporânea. Se há algumas décadas esse item era visto como uma postura positiva e agregadora, agora é condição básica para a interação de pessoas, empresas e instituições. Em outras palavras, ou se tem transparência e permanece no jogo social ou não se tem transparência e sai voluntário ou involuntariamente da brincadeira.
Na maioria dos relacionamentos matrimoniais, é impensável que se guarde segredos e se esconda a sujeira para debaixo do tapete, como acontecia há algumas gerações. Nas companhias listadas nas bolsas de valores, é preciso apresentar rotineiramente as principais informações corporativas ao mercado. A empresa que não fizer isso será acusada de conduta criminosa. Nos negócios sem ações públicas, a falta de transparência entre sócios, com os funcionários, com os clientes e com os fornecedores também é um tiro no pé. Rapidamente, o setor inteiro passa a olhar com maus olhos os agentes mais fechados e enigmáticos. Até personalidades públicas e profissionais das mais diferentes áreas de atuação são monitorados e cobrados pelos comportamentos na esfera pessoal e na postura nas redes sociais.
Diante dessa overdose de transparência, não seria difícil imaginar que o setor público também fosse engolido por tal exigência. Pois foi exatamente o que ocorreu nos últimos anos tanto no Brasil quanto no mundo. Por aqui, a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 e a lei complementar subsequente de 2009 obrigaram os governos municipais, estaduais e federal a apresentarem sistematicamente à população certas informações da gestão pública. Quem desrespeita as normas está cometendo infrações. Portanto, ou se é transparente com os cidadãos ou se administra incorretamente a máquina estatal.
Como estamos às vésperas de eleições municipais, achei por bem fazer um levantamento de como estão os índices das maiores prefeituras brasileiras quando o quesito é transparência. Para tal, recorri primeiramente aos dados da ONG Transparência Brasil, que divulgou em julho os resultados mais recentes das capitais estaduais. E o cenário não é nada positivo. A maioria dos municípios falha em exibir dados sobre contratos, execuções orçamentárias, valores arrecadados e descritivos dos orçamentos. Muitas nem sequer possuem portais de informação atualizados e reais.
Segundo o levantamento da ONG, três em cada quatro prefeituras apresentam níveis “regular” ou “ruim” de transparência. Ou seja, mais de 20 milhões de brasileiros vivem em capitais em que o acesso aos dados públicos é inadequado. No primeiro lugar das boas práticas governamentais está Vitória – ES com nota de 98,6%. Ela foi a única que atingiu resultado que pode ser classificado como “ótimo”. Isso só foi possível graças ao ajuste das contas públicas e às boas práticas administrativas. O pódio das capitais brasileiras é completado por Recife – PE, com índice de 79,0, e São Paulo – SP com 78,9. Esse são resultados considerados “bons”. As seis piores, que foram classificadas com desempenho “ruim”, são Natal – RN, Rio Branco – AC, Boa Vista – RR, Belém – PA, Teresina – PI e Macapá – AM.
Contudo, há outro levantamento que acho mais significativo para mostrar o tamanho do problema. Ele foi realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) entre 2021 e 2022 com mais de dois mil municípios de oito estados. Nele, vemos que 66% das prefeituras não possuem ferramentas adequadas de transparência administrativa. Como consequência, a população não tem acesso às informações básicas do governo municipal.
Com o período eleitoral batendo à porta, é essencial os eleitores observarem a dinâmica de sua prefeitura e as propostas dos candidatos tanto do Executivo quanto do Legislativo para essa questão. A importância da transparência é que ela é a base para o controle da corrupção e para a avaliação do desempenho dos gestores públicos. Sem dados atualizados, verídicos, claros e disponíveis, não conseguimos fazer análises pertinentes dos nossos representantes. Pense nisso quando você for avaliar os políticos e os governantes da sua cidade. Assim como exigimos transparência em nossas relações pessoais e profissionais, vamos as exigir nas interações com prefeitos e vereadores.
Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.