Em julho, um momento captado pela “kiss cam” em um show do Coldplay transformou a Astronomer em trending topic — e em estudo de caso. O vídeo mostrava o então CEO Andy Byron abraçando a diretora de RH Kristin Cabot; o registro viralizou, gerou especulações de infidelidade, levou ambos ao afastamento e, depois, à saída dos cargos. A discussão pública extrapolou o espetáculo e passou a questionar a cultura e a governança da empresa.
À medida que a história avançou, surgiram relatos negando o suposto caso e apontando que o episódio foi mal interpretado, embora os próprios envolvidos reconhecessem a inadequação do gesto no contexto profissional. Ainda assim, o dano de reputação já estava em curso, com repercussões pessoais severas e uma onda de julgamentos nas redes. Esse ciclo — viralização, indignação, retificação tardia — é típico do nosso tempo e, para você que lidera pessoas ou negócios, funciona como alerta: a narrativa que chega primeiro molda percepções que nem sempre a verdade consegue reverter.
Diante da crise, a Astronomer reagiu com uma jogada de marketing de alto risco: ativou a agência de Ryan Reynolds, Maximum Effort, e trouxe Gwyneth Paltrow para um conteúdo bem-humorado que “ressignificou” a polêmica. O material conquistou alcance e foi celebrado como resposta criativa. Mas criatividade não substitui governança: campanhas ajudam a conter incêndios de imagem, porém só políticas claras, accountability e coerência de conduta impedem que eles comecem.
O que você, executivo ou conselheiro, pode tirar desse caso? Primeiro, atitudes privadas de líderes quase nunca são “só privadas” quando cruzam fronteiras hierárquicas (CEO e RH) e espaços públicos (um estádio lotado, câmeras e redes sociais). Segundo, a percepção de ética é tão relevante quanto a ética praticada: se a alta gestão parece relativizar compromissos na esfera pessoal, a confiança dos públicos estratégicos — funcionários, clientes, fornecedores e investidores — fica sob teste. Confiança é o ativo invisível que amarra engajamento, produtividade, ticket médio e valuation; quando ela oscila, o custo de capital e de aquisição de clientes tende a subir, e o employer brand perde tração.
Terceiro, cultura não é memorando: é o somatório de decisões pequenas e grandes, especialmente sob pressão. Políticas de relacionamento no trabalho, canais de denúncia independentes, gestão de conflito de interesses e protocolos de crise precisam existir antes do trending topic. Se você lidera, estabeleça limites claros para relações assimétricas; se elas acontecerem, declare, mitigue e documente. Transparência protege a empresa e também as pessoas.
Quarto, comunique com empatia e precisão. Em crises que misturam vida pessoal e papel executivo, a tentação é “brincar para virar a página” ou “calar para não dar palco”. Nem um nem outro bastam. Reconheça o impacto nos times, reforce padrões de conduta, explique processos de apuração e consequências. O humor pode aliviar tensões, mas só a consequência consistente reconstrói a ponte com quem paga a conta — o cliente — e com quem a atravessa todo dia — o colaborador.
Por fim, lembre-se: você não controla a câmera nem o algoritmo, mas controla suas escolhas. Ética começa onde ninguém está vendo, e solidez reputacional começa muito antes do press release. Se a sua empresa quer atravessar tempestades com menos turbulência, invista em coerência: ela é o melhor seguro de imagem que você pode contratar.
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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de compliance e inteligência investigativa, finanças corporativas, consultoria regulatória (AML, BSA e LGPD), contabilidade forense, Due Diligence (financeiro, reputacional, investigativo e operacional), investigações corporativas, antilavagem de dinheiro, FCPA e anticorrupção, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.