Perspectivas para o Compliance com as Lições da Crise

Compliance

Em 2020, três temas vieram à tona por terem sido de vital importância para as empresas: investimento em programas de compliance, cuidados com a imagem e reputação da marca e proteção de dados. E a tendência para esse ano, é de que esses assuntos permaneçam relevantes nas agendas corporativas, já que muitas empresas perceberam o impacto que ações solidárias, que foram de encontro aos anseios urgentes dos consumidores, como a produção de máscaras de proteção e álcool gel no início da pandemia, e uma série de iniciativas de apoio subsequentes, tiveram no reconhecimento de suas marcas.

Investimento em Programas de Compliance

O primeiro tema, investimento em programas de compliance, vem sendo amplamente discutido com base no fato de que empresas com programas sólidos de integridade e responsabilidade social não só estão superando melhor a crise como estão comprovando seu comprometimento social ao oferecer doações não apenas em dinheiro, mas principalmente em produtos, serviços, alimentação, equipamentos etc. Tais iniciativas vem trazendo benefícios mais imediatos, pois as empresas possuem processos, controles, canais e logística eficazes para distribuição destas mercadorias.

Dessa forma, a crise sanitária mudou a maneira de muitas empresas pensarem em suas estratégias de comunicação, redirecionando investimentos em propaganda para outras iniciativas de alto valor percebido pelo seu público consumidor. Nesse sentido, o ano passado foi um divisor de águas para que as empresas passassem a desenvolver ações estratégicas com foco solidário, devidamente amparadas em seus programas de governança, sempre zelando pela responsabilidade social e ética.

E pensando nisso, é fato que em cenários de instabilidade, o compliance fornece à empresa uma estrutura sobre a qual ela pode se apoiar para se adaptar às mudanças, garantindo que suas iniciativas internas e externas fluam com agilidade e em conformidade com requisitos regulatórios e financeiros.

Através do compliance e seus mecanismos de controle, ao menor indício de fraude ou não conformidade relacionadas às novas iniciativas, a empresa consegue detectar rapidamente e tomar as medidas necessárias para estancar desvios de conduta e corrigir o rumo de suas ações.

Antes, o objetivo de um programa de compliance era essencialmente adequar a empresa a normas e procedimentos internos e externos. Depois, principalmente após o escândalo da Operação Lava Jato, o foco passou a ser a aplicação da Lei Anticorrupção, que estimulou a busca pela autorregulação como forma de se desprender, ao menos em parte, da regulação estatal e a própria empresa poder desestimular qualquer tipo de prática de corrupção interna.

A partir de então, algumas práticas ganharam extrema importância dentro de um programa de compliance, comoa criação de um canal eficaz de denúncias, para que a empresa não corra o risco de um funcionário, sentindo-se prejudicado ou vendo algo errado acontecendo, faça por exemplo, uma denúncia nas redes sociais, ferindo assim a imagem da empresa antes mesmo que a gestão fique ciente do assunto e possa tomar as devidas providências antes de se comunicar com o público.

Ou seja, quando os canais são disponibilizados de forma adequada, torna-se mais ágil e viável um plano de contingência, impedindo a propagação de informações em canais impróprios e o agigantamento de crises evitando danos potenciais à imagem.

Reputação das Empresas

Durante a crise sanitária, o cuidado com a imagem e a reputação das empresas emergiu como um dos mais marcantes. A adequação à nova realidade fez com que muitas empresas se destacassem pela qualidade de seus serviços. As do ramo do varejo, por exemplo, priorizaram a qualidade e velocidade na entrega de seus produtos, além de inovar com várias promoções, foco na venda de produtos de uso doméstico durante a quarentena e frete grátis.

Todas essas medidas colaboraram para que muitas delas melhorassem o posicionamento de suas marcas e se tornassem ainda mais conhecidas e queridas do público, o que aumentou o consumo de seus produtos e serviços e fez com que elas conseguissem até mesmo crescer em meio à crise.

Alguns exemplos de empresas que aumentaram o valor percebido de suas marcas, segundo artigo da Meio & Mensagem[1] foram: Magazine Luiza, Netflix, iFood, Ambev, Uber, entre outras.

No caso do Magazine Luiza, além de ter seu e-commerce alavancado na pandemia, com mais clientes aderindo ao hábito da compra online, também auxiliou pequenos comerciantes e ambulantes, disponibilizando uma plataforma de tecnologia através da qual empreendedores de todos os portes puderam oferecer seus produtos em suas próprias páginas em redes sociais. Esses comerciantes se beneficiaram da estrutura de e-commerce do Magazine, que contribuiu para a abertura de microempresas com a formalização de atividades antes consideradas comércio ilegal de rua.

Graças a todas essas iniciativas, o Magazine Luiza tem aumentado seu valor de mercado e da marca, impactando seu share of mind (aquela lembrança espontânea do consumidor quando indagado sobre uma marca forte em algum segmento) e seu power of voice (relevância e visibilidade da marca através da sua propagação espontânea nas redes sociais)[2].

Caso Jack Ma, da Alibaba[3]

Enquanto o Magazine Luiza teve acertos que colaboraram para fortalecer ainda mais a sua reputação, a Alibaba, empresa fundada pelo empresário chinês Jack Ma, sofreu perdas financeiras devido a uma declaração do seu fundador, que criticou o governo chinês dizendo que o sistema regulatório do país é “ultrapassado e atrasa a inovação”.

Por causa disso, suas empresas passaram a ser investigadas, e o compliance da organização está sendo colocado à prova, sendo que sua imagem ainda pode sofrer sérios danos se os processos e controles de conformidade da empresa não corresponderem com o discurso de seu fundador ao criticar o governo chinês.

Com base no exemplo acima, um programa de compliance estruturado, ajuda na dissonância da imagem do líder da imagem da empresa, através de regras que impedem a propagação de opiniões pessoais de gestores da empresa como se fossem declarações da marca, o que pode acabar interferindo em seu posicionamento mercadológico e perante órgãos regulatórios e de justiça.

No caso da Alibaba, até agora não foi encontrado nada de irregular, mas sua declaração repercutiu tanto que a empresa já perdeu mais de US$ 200 bilhões em valor de mercado desde novembro do ano passado, quando a abertura de ações da companhia foi suspensa, sendo que a mesma estava sendo considerada como a maior oferta pública inicial (IPO) da história, no valor de US$ 37 bilhões[4].

Além disso, o empresário perdeu US$ 11 bilhões em apenas dois meses e não vinha sendo visto em público recentemente, o que agravou a preocupação com possíveis retaliações que pudessem estar comprometendo a segurança do empresário, gerando mais especulação negativa a respeito do caso. Apenas recentemente, Jack Ma reapareceu em público para a premiação de um evento para professores em áreas rurais[5], mas seu longo silêncio desde outubro do ano passado reforçou especulações acerca das consequências que o discurso poderia ter gerado para o empresário e para o tão esperado IPO do Ant Group, afiliada financeira do Alibaba (BABA), suspenso em Pequim 48 horas antes de seu lançamento[6].

Enquanto faltam esclarecimentos acerca do caso, a empresa pode sofrer prejuízos a médio e longo prazos, incluindo a deterioração no relacionamento com seus stakeholders (acionistas, funcionários, clientes etc.).

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Proteção de Dados

O terceiro tema de grande relevância que continuará em pauta em 2021 é o da proteção de dados nas empresas, não apenas o compromisso ético com a privacidade dos clientes, mas também com a conformidade perante a nova LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), em vigência desde agosto de 2020.

Sendo assim, as empresas terão que se preocupar, ainda no primeiro semestre de 2021, com a adequação à nova Lei, revendo seus processos, orientando seus funcionários e tomando todas as providências práticas para evitar pesadas multas, que poderão ser aplicadas a partir do segundo semestre.

Após o período de adequação, a preocupação passará a ser o monitoramento e adesão aos controles para minimização dos riscos de vazamento de dados, através do reforço ao cybersecurity (segurança cibernética),visto que o número de ameaças aumentou 394% em 2020 em relação a 2019, tendo sido registrados 272,5 milhões de golpes cibernéticos entre janeiro e novembro de 2020. Além disso, 45% das ameaças foram verificadas nos feeds de domínio (sistemas que analisam domínios, URLs, IPs em buscas práticas como o phishing[7], golpes cibernéticos visando o roubo de dados).

Outras ameaças foram verificadas em aplicativos de mensagens (24%) e redes sociais (13%), sendo que as ocorrências fraudulentas mais frequentes foram: criação de perfis falsos (28%), manipulação de dados bancários (19%) e manipulação de cartões (15%)[8].

Expectativas de mercado para 2021

O ano de 2021 ainda é um ano incerto, porém já considerado menos instável, pois 2020 preparou as empresas para gerenciar melhor os imprevistos, e agora as vacinas acima do mínimo percentual de eficácia exigido estão sendo aprovadas para uso emergencial em cada vez mais países, incluindo o Brasil.

Apesar disso, a pesquisa divulgada pelo Boletim Focus[9], que monitora a projeção para a atividade econômica brasileira passou, nas últimas semanas, de 3,50% para 3,46% para 2021 e continua volátil, sendo que o PIB anual ainda apresenta projeção de retração de 4,40%.

Embora os dados deste boletim não sejam positivos, outros índices têm surpreendido, fornecendo sinais de melhora da economia, como o da abertura de empregos com carteira assinada que, em outubro do ano passado, registrou 394.989 novas vagas em regime CLT, sendo que a projeção era de 224 mil novos postos, segundo o Ministério da Economia.

Levando-se em consideração a injeção de trilhões de dólares dos Bancos Centrais de todo o mundo em suas economias, é esperado que os efeitos continuem apresentando resultados durante este ano. Ainda, a projeção da taxa Selic está em torno de 3% ao ano, mas com aumento da expectativa de inflação, é esperado que ocorra uma alta dos juros[10].

Em relação ao ambiente interno, em 2021, o Brasil deve fazer as reformas mínimas para não ocorrer o descontrole sobre o valor da moeda e da inflação, sendo que a reforma administrativa é prioritária para a redução do déficit público e andamento das privatizações nas áreas que requerem mais eficiência de gestão e investimentos, como alguns setores de serviços básicos para a população brasileira, e que possam reduzir o custo Brasil, favorecendo investimentos e geração de empregos, fatores essenciais para a superação da crise.

Considerações finais

Atividades ligadas à governança corporativa movimentam cerca de US$ 21,72 bilhões no mundo e devem aumentar para US$ 57,57 bilhões até 2026[11], ou seja, investir em melhor estrutura e sistemas de gestão para a empresa, com um bom programa de compliance, colabora para reforçar a reputação e imagem da empresa e ajuda na adequação dos processos à LGPD.

No caso de empresas de capital fechado, elas ainda se encontram no estágio inicial em relação à adoção de boas práticas de governança corporativa. Em média, a pontuação é de 34,6 em uma escala que vai de 0 a 100, ou seja, ainda há muito o que melhorar. E, olhando para o mercado brasileiro como um todo, vê-se que o percentual de empresas com programas de governança é baixo: um desafio para o ano de 2021.

Outro detalhe importante é que dentro dos critérios ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, ou ASG em português), o social (S) e o ambiental (A) ganharam papel central nas discussões e, com isso, a governança caiu para segundo plano. Porém, se as práticas de governança são negligenciadas, as empresas não conseguem garantir que suas políticas de boas práticas no social e no ambiental sejam debatidas e aprovadas. Ainda, 62% das organizações têm supervisão sobre questões de sustentabilidade no Conselho, mas apenas 13% apresentam práticas efetivas em relação a isso e apenas 18% das companhias discutem sustentabilidade nos Conselhos, comitês de risco ou de auditoria.

Portanto, há muito o que se evoluir na implementação e aprimoramento do compliance em boa parte das empresas brasileiras. As que quiserem investir em melhorias terão bastante trabalho pela frente, começando já neste ano. Investimento que valerá a pena, não só para que a própria empresa evite passar por problemas que afetem sua reputação, mas para que ela acompanhe as tendências do mercado, que cada vez mais exige um olhar corporativo mais amplo quanto às questões que impactam o futuro da sociedade como um todo.

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[1] Disponível em https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2020/04/28/estudo-da-hsr-lista-20-marcas-mais-transformadoras-na-pandemia.html. Acesso em 7 de janeiro de 2021.

[2] Disponível em https://hsr.specialistresearchers.com.br/news/view/139/magalu,-netflix-e-ifood-s%C3%A3o-as-marcas-mais-transformadoras-na-pandemia Acesso em 7 de janeiro de 2021.

[3] Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/01/alibaba-como-o-magnata-chines-jack-ma-perdeu-us-11-bilhoes-em-2-meses-e-esta-na-mira-das-autoridades-chinesas.ghtml. Acesso em 7 de janeiro de 2021.

[4] Disponível em https://canaltech.com.br/bolsa-de-valores/como-um-sincericidio-do-fundador-do-alibaba-adiou-o-maior-ipo-da-historia-174141. Acesso em 20 de janeiro de 2021.

[5] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/01/20/jack-ma-fundador-do-alibaba-faz-primeira-aparicao-publica-desde-outubro. Acesso em 20 de janeiro de 2021.

[6] Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/11/04/acoes-do-alibaba-despencam-apos-suspensao-de-ipo-do-ant-group.ghtml. Acesso em 20 de janeiro de 2021.

[7]Phishing é uma tentativa fraudulenta de obter informações confidenciais como senhas e números de cartões de crédito.

[8] Disponível em https://epoca.globo.com/guilherme-amado/ameacas-ciberneticas-aumentaram-394-em-2020-aponta-levantamento-1-24804560. Acesso em 14 de janeiro de 2021.

[9] Disponível em https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus. Acesso em 12 de janeiro de 2021.

[10] Disponível em https://valorinveste.globo.com/objetivo/hora-de-investir/noticia/2021/01/03/conheca-as-principais-perspectivas-para-os-investimentos-em-2021.ghtml. Acesso em 12 de janeiro de 2021.

[11] Disponível em https://www.spacemoney.com.br/geral/a-verdadeira-importancia-do-g-no-esg/162262/. Acesso em 14 de janeiro de 2021.

Referências

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BANCO CENTRAL DO BRASIL. Focus – Relatório de Mercado, 8 de janeiro de 2021. Disponível em https://www.bcb.gov.br/publicacoes/focus. Acesso em 12 de janeiro de 2021.

BBC. Alibaba: como o magnata chinês Jack Ma perdeu US$ 11 bilhões em 2 meses e está na mira das autoridades chinesas. G1, 1º de janeiro de 2021. Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/01/alibaba-como-o-magnata-chines-jack-ma-perdeu-us-11-bilhoes-em-2-meses-e-esta-na-mira-das-autoridades-chinesas.ghtml. Acesso em 7 de janeiro de 2021.

BERTÃO, Naiara. Conheça as principais perspectivas para os investimentos em 2021. Valor Investe, São Paulo, 3 de janeiro de 2021. Disponível em https://valorinveste.globo.com/objetivo/hora-de-investir/noticia/2021/01/03/conheca-as-principais-perspectivas-para-os-investimentos-em-2021.ghtml. Acesso em 12 de janeiro de 2021.

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DIAS, Maria Clara. Jack Ma: como o sumiço do empresário mostra fragilidades na governança corporativa. Exame, 7 de janeiro de 2021. Disponível em https://exame.com/invest/esg/como-o-sumico-de-jack-ma-mostra-fragilidades-na-governanca-corporativa/. Acesso em 7 de janeiro de 2021.

HAIDAR, Rodrigo. Pareceres colocam em dúvida due diligence feita pela Vale na Guiné. Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-dez-15/pareceres-colocam-duvida-due-diligence-feita-vale. Acesso em 7 de janeiro de 2021.

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