Investigações Corporativas Pós M&A – Um Guia Prático

Investigações Corporativas

A quantidade de operações de M&As (sigla em inglês para Mergers and Acquisitions) que já ocorreram até o primeiro semestre deste ano de 2021 já superaram o total de operações de fusões e aquisições ocorridas no ano passado.

Diante das movimentações de empresas de vários setores que buscam oportunidades, inclusive as estrangeiras que estão se beneficiando da alta do dólar para entrar ou reforçar sua posição no mercado brasileiro, é de suma importância que os gestores responsáveis pela consolidação e sucesso dessas operações se atentem mais e mais para a implantação de um sólido programa de compliance, a fim de aumentar as chances de sucesso do negócio no período pós transação.

Além disso, a realização de um processo de due diligence dentro desse programa de compliance é extremamente recomendada, para mitigar riscos de fraudes ou vazamento de informações durante a fusão das operações, departamentos e realocação de pessoal, dentre outros decorrentes do clima de incerteza que possa contaminar o ambiente provocando insegurança para alguns funcionários em relação à sua posição dentro da nova estrutura. O due diligence pós aquisição pode identificar esses riscos antes que se transformem em algo maior, que venha a manchar a reputação, denegrindo a imagem da empresa.

Dentro do escopo da gestão de risco após a fusão ou aquisição de empresas, o último tópico a ser abordado são as investigações corporativas. Como saber se é necessária a realização de uma investigação interna? E, se for, quais medidas ela deve tomar?

Que sinais podem indicar a necessidade de uma investigação interna?

  • Solicitação de investigação externa, por entidades reguladoras, como a mando da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, ou do Ministério da Justiça ou da Secretaria Nacional de Justiça, intimações, mandados etc.;
  • Denúncias ou acusações;
  • Suspeitas levantadas durante o processo de due diligence pós aquisição;
  • Auditoria interna corporativa;
  • Investigações da mídia, pedidos de entrevista por jornalistas.

Quando investigar?

Se as acusações não se tornarem públicas, é importante verificar os benefícios de se realizar uma investigação e as consequências de não realizá-la. Fatores a serem avaliados nesse caso:

  • Fonte e credibilidade das alegações;
  • Gravidade da suposta má conduta;
  • Potencial da denúncia (em questão) se tornar pública;
  • Proteção por meio de regulações em vez de “contar com a sorte”.

Quais os objetivos da investigação?

  • Obter fatos e evidências para determinar a extensão de qualquer violação que tenha sido alegada, incluindo potencial responsabilidade civil ou criminal;
  • Inspirar confiança de que as investigações serão completadas de forma confidencial, justa e consistente e com o compromisso de não gerar retaliação para denúncias feitas de boa-fé;
  • Quando o delito for identificado:
    • Corrigir a má conduta;
    • Formular uma estratégia para o compliance futuro.
  • Mesmo se o delito não for confirmado ou se os resultados forem inconclusivos é importante identificar, por meio dessas denúncias, oportunidades para melhorar as políticas internas, os procedimentos, os treinamentos e demais controles internos;
  • Compartilhar os resultados da investigação com as entidades reguladoras.

Quem deve ser responsável pela investigação?

  • Se ela for mantida internamente: o departamento jurídico, o departamento de recursos humanos e a auditoria interna;
  • Conselho externo;
  • Especialistas e consultores, como contadores forenses e gestores de risco;
  • Perguntar-se: Quem deve realizar a supervisão? Quem é o cliente? Faz diferença se for desejável fazer uso de qualquer relatório da investigação com entidades reguladoras?

Como conduzir a investigação?

  • Comunicar o reclamante/denunciante e o cliente;
  • Documentar a cobrança;
  • Proteger o privilégio;
  • Perguntar-se: Serão necessárias ações imediatas/de emergência? Se sim, verificar:
    • Considerações de segurança;
    • Segredos comerciais;
  • Se houver necessidade de condução de entrevistas, escolher um representante;
  • Avaliar o valor da independência e o rigor dos métodos de investigação;
  • Sempre que possível, contratar especialistas e consultores isentos.

Como engajar os especialistas em comunicação da empresa?

  • Situações de crise geralmente garantem que especialistas em comunicações se engajem rapidamente;
  • Esses especialistas devem ser envolvidos pelo time jurídico sob o privilégio advogado-cliente para desenvolver um plano de comunicação antes que a situação se torne crítica ou antes de ser tarde demais;
  • Assim como a investigação interna, o plano de comunicação deve ser flexível e pode ser dinâmico enquanto as investigações acontecem;
  • É importante garantir que qualquer plano de comunicação esteja completamente alinhado com os desenvolvimentos legais e factuais e com a estratégia, ainda que a investigação interna ainda esteja caminhando;
  • Esses especialistas também deverão lidar com a mídia e garantir que quaisquer informações externas estejam alinhadas com o plano de comunicações acordado;
  • Dentre outras coisas, os especialistas em comunicação devem ser orientados e ter boa compreensão sobre:
    • As regras do jogo;
    • Quando usar os relatórios como fonte de informação;
    • O ponto de encontro entre a mídia tradicional e a mídia online;
    • O fato de que a comunicação online é uma fonte para a mídia tradicional e digital (outros veículos)
  • Os especialistas também podem ajudar a levar em consideração passos proativos em uma situação de crise:
    • Redirecionar buscas relacionadas para micro sites paralelos como forma de proteger os websites corporativos, para fornecer informações públicas sobre o caso.

O que fazer ao concluir a investigação?

  • Ao final do processo investigativo deverá ser dado um parecer sobre como os resultados deverão ser comunicados e para quem;
  • Verificar oportunidades de melhorias para os controles internos, para o setor de treinamento e para as políticas;
  • Realizar a comunicação com os denunciantes e com os acusados;
  • Considerar realizar a comunicação direta com entidades reguladoras governamentais;
  • Realizar um comunicado público.

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O caso da empresa Precisa Medicamentos

Como exemplo de investigação corporativa iremos apresentar aqui, brevemente, o caso da empresa Precisa Medicamentos que, investigada pela CPI da Covid.

Tudo começou quando um servidor do Ministério da Saúde apontou irregularidades no contrato de R$1,6 bilhão para a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. Nesse contrato, a Precisa atuou como intermediária da negociação. Ela foi acusada de ter movimentado uma quantidade de dinheiro incompatível com o seu próprio patrimônio, entre fevereiro e junho de 2021. Segundo o relatório entregue à CPI, nesses quatro meses, a empresa movimentou R$43,7 milhões, sendo que seu faturamento anual é de R$17 milhões, de acordo com dados divulgados pelo relatório do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf)[1].

Após o escândalo, o laboratório indiano Bharat Biotech, responsável por fornecer a vacina Covaxin, rompeu o acordo com a Precisa Medicamentos e a ANVISA encerrou o pedido de uso emergencial da vacina, além de cancelar o estudo clínico solicitado pela Precisa[2].

No setor privado, a Covaxin também foi oferecida mediante pagamento antecipado de 15%. Cerca de cinquenta clínicas toparam a empreitada e fizeram depósitos para a Precisa. Não receberam a vacina e ao menos três delas tentam na Justiça reaver o dinheiro perdido.

O Relatório da CPI da Covaxin foi encaminhado à PGR e pode chegar ao Tribunal Internacional.

Conclusão

Levando-se em consideração os passos recomendados para uma empresa que está avaliando a possibilidade de um processo de investigação, a Precisa Medicamentos falhou em praticamente todos eles: seus responsáveis negam até hoje que houve qualquer irregularidade e essa negação fez com que eles não abrissem um processo de investigação para evitar que o escândalo viesse a público. Não foi realizado um due diligence, o programa de compliance ficou invisibilizado e não houve um plano de comunicação. Com isso, o caso acabou indo parar na CPI, que ficou responsável pela investigação.

Uma empresa envolvida nesse tipo de escândalo e acabar sendo responsável pela perda de possíveis doses de vacina em um momento crucial para a população ilustra o prejuízo que um processo robusto de compliance, due diligence e investigação corporativa poderia evitar, não só em perdas financeiras, mas também em reputação e imagem da empresa, além do cancelamento por parte de clientes, sem se falar nos riscos à vida humana decorrentes da manobra.

Nem todos os casos podem chegar a tal ponto, porém, a partir do momento que uma denúncia é feita é importante iniciar um processo de investigação, tomando todas as medidas necessárias, pois são inúmeras as quais consequências que a empresa terá que lidar de acordo com a gravidade da situação caso se recuse a avaliar mais cautelosamente uma denúncia.

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[1] Disponível em https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/07/08/coaf-ve-movimentacao-atipica-de-empresa-investigada-na-cpi-que-intermediou-venda-da-covaxin.ghtml. Acesso em 30 de julho de 2021.

[2] Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/07/29/interna_politica,1291025/saude-confirma-cancelamento-do-contrato-com-a-precisa-medicamentos.shtml. Acesso em 30 de julho de 2021.

Referências

BRACERAS, Roberto; CHUNIAS, Jennifer; BAERLEIN, Joseph. Directors Roundtable: Hot Topics in High Profile Internal Investigations. Goodwin Procter LLP and Baerlein & Partners, 9 de maio de 2019. Disponível em: https://www.goodwinlaw.com/events/2019/05/05_09-directors-roundtable_hot-topics. Acesso em 30 de julho de 2021.

BRG Brasil Consultoria Ltda, c2021. Disponível em: https://thinkbrg.com.br/?s=fus%C3%B5es+e+aquisi%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 30 de julho de 2021.

HANNA, Wellington; PARREIRA, Marcelo e RESENDE, Sara. Coaf vê ‘movimentação atípica’ de empresa investigada na CPI que intermediou venda da Covaxin. G1, Brasília, 8 de julho de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/07/08/coaf-ve-movimentacao-atipica-de-empresa-investigada-na-cpi-que-intermediou-venda-da-covaxin.ghtml. Acesso em 30 de julho de 2021.

TEÓFILO, Sarah. Saúde confirma cancelamento do contrato com a Precisa Medicamentos. Estado de Minas, 29 de julho de 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/07/29/interna_politica,1291025/saude-confirma-cancelamento-do-contrato-com-a-precisa-medicamentos.shtml. Acesso em 30 de julho de 2021.

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