Não é a primeira vez que abordamos o tema, mas sabemos que muitas empresas ainda podem se perguntar qual seria um bom motivo para realizar uma investigação. É algo realmente necessário? A Lei obriga? O que acontece se fizer? E se não fizer? O que pode ser descoberto? Será melhor não tirar a poeira debaixo do tapete?
Caso Toyota/Hino Motors[1]
Para ajudar a refletir sobre essas questões vamos citar aqui o recente caso da fabricante automotiva japonesa Toyota. Uma investigação corporativa foi providenciada pela empresa em sua afiliada, a Hino Motors, fabricante japonesa de veículos movidos a diesel, e essa investigação revelou que dados de emissões de poluentes de alguns motores foram falsificados. Em um primeiro momento, descobriu-se que os dados estavam sendo falsificados desde 2016 e, conforme a busca foi se aprofundado, descobriu-se que, na verdade, os dados estavam sendo adulterados desde 2003. Quase 20 anos de dados falsificados!
Como isso pôde acontecer por tanto tempo sem que ninguém desconfiasse? Bom, sem uma averiguação constante das práticas da empresa e suas fornecedoras é mais difícil encontrar más condutas. No caso Toyota/Hino Motors ainda havia dois agravantes:
- Segundo a Hino Motors, o escândalo é devido ao fato de engenheiros não se sentirem capazes de desafiar seus superiores, o que é reflexo da cultura corporativa japonesa;
- A divisão da empresa responsável por elaborar os dados de emissão de poluentes é composta por funcionários altamente especializados, que não são facilmente substituíveis, o que permitiu que a má conduta não só se mantivesse, mas permanecesse entre esses funcionários sem que o restante da empresa soubesse.
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A partir disso, o que podemos aprender, então?
Esse caso nos mostra o quanto a cultura externa de um país influencia na cultura interna de uma empresa. Por mais que a empresa tenha um bom programa de compliance com uma série de comportamentos a serem adotados por todos os funcionários, será difícil as pessoas agirem de uma determinada forma sem que todos a sua volta ou que o principal líder sirva de exemplo. O ser humano aprende majoritariamente por imitação, logo, o que ele vir os outros fazendo, assim ele o fará.
No Japão, autoridades são altamente respeitadas, e não é comum, muito menos incentivado, que pessoas apontem erros ou critiquem publicamente a atitude de uma figura de autoridade como o chefe de uma empresa. Por isso esses dados terem sido falsificados por tanto tempo e, se não fosse a investigação, continuariam sendo fraudados pelo medo que funcionários da Hino tinham de apontar um erro para funcionários do alto escalão da Toyota[2].
E no Brasil, como funciona?
Aqui, temos uma cultura de expressarmos tudo o que pensamos e sentimos em todas as áreas da nossa vida, só que com um detalhe: de forma indireta. Isso significa que um funcionário pode perceber um erro dentro de uma empresa e sem dúvida ele irá falar desse erro, mas não diretamente para a pessoa que está cometendo o erro ou que pode resolver o problema. Ele vai falar com um colega mais próximo, com um amigo, com alguém da família, vai fazer postagens nas redes sociais (com perfil falso se preciso for) criticando, reclamando e dizendo como deveria ser… mas vai evitar falar diretamente.
No Brasil, temos a tendência de evitar o confronto, o que também, infelizmente, colabora para que muitas práticas ruins ainda permaneçam em ambiente de trabalho. O fato de muitos também temerem perder sua fonte de sustento faz com que esse confronto não ocorra.
Por isso, a existência de um canal de denúncias é uma ótima solução para as empresas brasileiras: os funcionários podem apontar os erros sem precisar mostrar o rosto. Só é importante que as denúncias sejam de fato acolhidas, analisadas e solucionadas, até para que os funcionários vejam que suas demandas estão sendo atendidas. Sentindo-se escutada, a pessoa tende a gostar mais do ambiente de trabalho.
Quanto aos funcionários altamente especializados da Hino Motors que não podiam ser substituídos, esse é outro detalhe muito importante a se prestar atenção. Claro que é sempre bom buscar os candidatos o mais especializados possível para sua empresa, afinal, quanto mais pessoas mais bem qualificadas, mais a sua empresa tenderá a crescer. E se é difícil encontrar substitutos, então o que deve ser feito é estar sempre monitorando o trabalho desses funcionários através de relatórios a serem entregues com uma determinada frequência.
Como se pode perceber, mais uma vez, o compliance é essencial para a estrutura de uma empresa. É através dela que uma boa investigação poderá ser feita, se necessária, pois só com o programa instalado é que será possível avaliar se e como as regras estão sendo seguidas e quais as melhores medidas a serem tomadas.
Com isso, vamos apontar aqui alguns benefícios de se realizar uma investigação corporativa:
- Ajudam empresas a identificar, prevenir, medir ou mitigar riscos de responsabilidade potencial e determinar a validade e a seriedade das preocupações que desencadearam a necessidade de uma investigação;
- Diminuem o potencial risco de responsabilidade corporativa e promovem o comprometimento dos colaboradores com as políticas internas e as leis aplicáveis.
Conclusão
É importante realizar uma investigação corporativa principalmente no ato de contratação de uma terceirizada, de uma fusão ou de uma aquisição, pois esse é o momento ideal de verificar se há quaisquer irregularidades que possam prejudicar a sua empresa e corrigi-las antes de finalizar uma parceria ou transação. Também é importante e ideal que a investigação seja feita por outra empresa, para que não ocorra conflitos de interesses.
E se a empresa ainda estiver pensando se vale a pena fazer ou não: vale. Ainda que uma investigação possa trazer à tona algum escândalo, como foi o caso recente da Toyota, melhor lidar e resolver o problema o quanto antes do que ser descoberto por forças externas e ser obrigado a enfrentar uma quebra de reputação que pode, inclusive, tornar-se uma perda financeira. E, nesses tempos de crise pelo qual estamos passando, não é bom cometer riscos que possam até acabar com uma empresa.
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Referências
JP GUIDE. A cultura corporativa no Japão. JP Guide, 24 de janeiro de 2018. Disponível em: https://jpguide.co/cultura-corporativa-no-japao/. Acesso em 9 de agosto de 2022.
PUNDER, PATRICIA. Quais são as principais orientações para que as investigações sejam bem-feitas? O Debate, 21 de julho de 2022. Disponível em: https://www.odebate.com.br/direitos-deveres/quais-sao-as-principais-orientacoes-para-que-as-investigacoes-sejam-bem-feitas.html. Acesso em 8 de agosto de 2022.
SUGIYAMA, SATOSHI. Unidade da Toyota falsificou dados de emissões desde 2003, aponta investigação. Terra, 2 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/unidade-da-toyota-falsificou-dados-de-emissoes-desde-2003-aponta-investigacao,a4d40c8bf3e28acf1879c55cbbb0aee9l30hfri6.html. Acesso em 8 de agosto de 2022.
[1] Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/unidade-da-toyota-falsificou-dados-de-emissoes-desde-2003-aponta-investigacao,a4d40c8bf3e28acf1879c55cbbb0aee9l30hfri6.html#:~:text=Unidade%20da%20Toyota%20falsificou%20dados%20de%20emiss%C3%B5es%20desde%202003%2C%20aponta%20investiga%C3%A7%C3%A3o,-Satoshi%20Sugiyama&text=Uma%20grande%20afiliada%20Toyota%20falsificou,pela%20empresa%20nesta%20ter%C3%A7a%2Dfeira. Acesso em 8 de agosto de 2022.
[2] Na cultura corporativa japonesa, os funcionários “agem de acordo com o consenso cooperativo, onde o processo de tomada de decisão vem de cima para baixo. Em outras palavras, os japoneses consideram fortemente que a delegação de autoridade e poder de decisão de cima para baixo qualifica a compreensão ocidental da hierarquia”. Disponível em: https://jpguide.co/cultura-corporativa-no-japao/. Acesso em 9 de agosto de 2022.
