O caso das demissões no Itaú trouxe à tona um ponto sensível do trabalho remoto. Segundo sindicatos e a imprensa, cerca de mil pessoas foram desligadas em 8 de setembro de 2025 após monitoramentos indicarem “baixa produtividade” no home office — com métricas como cliques, tempo de tela ativa e compatibilidade entre ponto e atividade.
Eu não ignoro o poder diretivo das empresas nem a necessidade de medir resultados. Mas monitorar não é sinônimo de vigiar sem critério. Especialistas têm reforçado que a prática é possível desde que haja finalidade legítima, proporcionalidade e informação clara ao trabalhador. Sem isso, o risco de violação de privacidade, danos morais e passivos aumenta — e a confiança se perde.
No Brasil, a LGPD se aplica ao tratamento de dados em relações de trabalho. Dados de produtividade são dados pessoais e exigem base legal adequada (em geral, legítimo interesse), comunicação transparente, minimização e segurança. A ANPD é a autoridade que interpreta e fiscaliza o tema, podendo aplicar sanções quando houver abuso.
Outro ponto que você não deve ignorar é o uso de decisões automatizadas. Quando desligamentos decorrem de scores de telemetria sem avaliação humana efetiva, abrimos espaço para erros, vieses e contestação com base no art. 20 da LGPD, que trata do direito de revisão de decisões exclusivamente automatizadas. A própria ANPD vem orientando o mercado sobre esse tema.
O que isso significa, na prática? Primeiro, política de monitoramento escrita, divulgada e compreensível — antes de qualquer coleta. Segundo, critérios objetivos focados em resultado, não em microgestão de cliques. Terceiro, limitação de meios intrusivos (como uso de webcam) ao estritamente necessário, com avaliação prévia de riscos em um Relatório de Impacto à Proteção de Dados. Quarto, canal para que o empregado acesse seus dados, conteste métricas e peça revisão humana.
Para você que lidera equipes, minha proposta é clara: alinhe expectativas por metas e entregas, e trate a telemetria como instrumento auxiliar, não como fim. Estabeleça uma governança que envolva Compliance, Jurídico, Segurança da Informação e RH; registre justificativas, prazos de retenção e exclusão de dados; treine gestores para evitar o atalho do “score decide”. Ética é fazer escolhas proporcionais e transparentes — especialmente quando a tecnologia facilita o exagero.
Para você que é colaborador, também há deveres: cumprir jornada e metas, respeitar políticas e zelar pelos recursos da empresa. Em contrapartida, você tem direito a ser informado sobre o que é coletado, por que, por quanto tempo e com quem é compartilhado — e a questionar decisões baseadas apenas em algoritmos.
O episódio do Itaú é um alerta. O futuro do trabalho remoto não se sustenta no medo de ser vigiado, mas na maturidade de medir o que importa e de explicar como medimos. Transparência não é um detalhe; é a base para que você confie e para que eu possa cobrar, com legitimidade, o desempenho que o negócio precisa.
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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de compliance e inteligência investigativa, finanças corporativas, consultoria regulatória (AML, BSA e LGPD), contabilidade forense, Due Diligence (financeiro, reputacional, investigativo e operacional), investigações corporativas, antilavagem de dinheiro, FCPA e anticorrupção, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.