Faria Lima sob escrutínio público

Faria Lima

Quando a polícia ocupa o principal corredor financeiro do país, o assunto sai das páginas policiais e entra na pauta de governança. Em agosto, uma megaoperação mirou o esquema financeiro do crime organizado e concentrou dezenas de alvos na Avenida Faria Lima, epicentro do mercado de capitais brasileiro. Não é “apenas” notícia; é um teste de valores para quem opera dinheiro e reputação todos os dias.

As investigações indicam o uso do mercado para lavar e ocultar recursos, com ramificações antes vistas em setores tradicionais e, agora, com suspeitas de chegada ao ambiente financeiro, inclusive em fundos de investimento. Endereços de peso entraram no radar e executivos foram instados a explicar processos, governança e a efetividade de seus controles. É um retrato desconfortável para qualquer instituição que preza por credibilidade.

O que isso tem a ver com você, executiva, conselheiro, gestora de riscos. Tudo. Quando o noticiário conecta crime organizado a estruturas do mercado, o “licenciamento social” dos nossos negócios fica em xeque. A régua muda do “cumprimos a lei” para “demonstramos integridade”.

É nessa hora que due diligence deixa de ser checklist e vira disciplina viva: conhecer o cliente final, rastrear beneficiário, testar a consistência de garantias, auditar provedores de liquidez e monitorar transações com visão de ciclo inteiro. Se o desenho de governança permite “pontos cegos”, alguém — dentro ou fora — pode explorá-los.

Também há um recado para a cadeia de investimentos. Gestoras, bancos e administradores precisam revisitar políticas de onboarding, critérios de suitability de produtos complexos, monitoramento contínuo e a independência de Risco, Compliance e Auditoria. Procedimentos de Know Your Customer (KYC) e Anti-Money Laundering (AML) devem sair do PDF e entrar na rotina: segmentação por risco, alertas calibrados por materialidade, investigação de mídia adversa, revisão de terceiros e testes de estresse reputacional. Em paralelo, conselhos devem pedir trilhas de auditoria claras e relatórios que não só indiquem conformidade, mas revelem a efetividade dos controles.

Reputação, aqui, é ativo financeiro. A cada operação policial que toca o mercado, investidores institucionais e reguladores passam a exigir evidências tangíveis de governança: incidentes reportados tempestivamente, ações corretivas mensuráveis, responsabilização de tomadores de decisão e transparência com cotistas e clientes. O silêncio defensivo raramente protege; comunicação responsável, sim. Assuma o que se sabe, explique o que se investiga e diga o que será feito — com prazos e responsáveis.

Se você lidera times na Faria Lima — ou em qualquer outro hub financeiro —, este é o momento de reforçar valores. Patrocine investigações independentes quando houver indícios, preserve evidências, separe funções críticas e fortaleça canais de denúncia com proteção real ao denunciante. Reavalie carteiras, encerre relacionamentos contaminados, reporte às autoridades e ao regulador quando exigido. Ética e valores não são slogans: são decisões operacionais tomadas sob pressão, com impacto direto no caixa e no valor da sua marca.

A lição é simples e dura. Quando a polícia chega ao endereço símbolo do capital, ela também bate à porta da nossa responsabilidade. Integridade não se terceiriza. É preciso provar, todos os dias, que o dinheiro que circula por nossas mãos nasce e anda limpo.

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Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de compliance e inteligência investigativa, finanças corporativas, consultoria regulatória (AML, BSA e LGPD), contabilidade forense, Due Diligence (financeiro, reputacional, investigativo e operacional), investigações corporativas, antilavagem de dinheiro, FCPA e anticorrupção, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.

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