A Recuperação Judicial e a Importância do Laudo de Avaliação Econômico-Financeira

Planejamento Estratégico

Dando sequência a alguns temas relacionados à gestão de crises financeiras em empresas, abordados em artigos anteriores, trataremos do processo de recuperação judicial e a importância do laudo de avaliação econômico-financeira para as empresas que estão enfrentando o risco de falência.

Antes de mais nada, é importante avaliar se as possibilidades de recuperação do negócio dentro das condições operacionais e financeiras atuais da empresa foram esgotadas para, então, considerar a abertura de um pedido de recuperação judicial. A esse respeito, refletiremos sobre a hora certa de optar por esse recurso.

A seguir, resumiremos os passos a serem tomados após a decisão pela recuperação judicial, destacando a relevância da avaliação econômico-financeira da empresa e seu laudo (relatório) como fator determinante para o resultado desse processo.

A Lei de Falências e o Processo de Recuperação Judicial

A Lei de Falências, nº 14.112 de 24 de dezembro de 2021[1], alterou as Leis 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, e atualizou a legislação referente ao processo de recuperação judicial, extrajudicial e de falência do empresário ou sociedade empresária.

Esta Lei atualizada regula o processo de recuperação judicial, que é um recurso jurídico legal e segue algumas etapas. Após a entrada do pedido de recuperação na Justiça, um processo é aberto para aprovação do juiz. Uma vez aprovado o processo, a empresa apresenta um plano de recuperação e reestruturação que demonstre como pretende gerar recursos para sanar dívidas nos prazos estipulados, que não podem ser superiores a 30 dias para acertos de salários atrasados nos últimos 3 meses, e a 60 dias para acertos de dívidas com os demais credores.

O plano de recuperação judicial, por sua vez, precisa estar respaldado por relatórios que comprovem a viabilidade econômica da empresa, sendo que o laudo econômico-financeiro e de avaliação de bens e ativos do devedor, que também é exigido pela Lei, deve ser atestado por profissional ou empresa especializados.

É de posse desses relatórios que a Justiça submete o plano de recuperação judicial da empresa aos credores para que se manifestem, dentro de 180 dias, a favor ou contra o plano. Caso os credores julguem o plano viável, segue-se com o processo de recuperação judicial; caso contrário, segue-se com o decreto de falência, no qual os credores irão disputar os recursos da massa falida.

Daí a importância do plano de recuperação judicial da empresa, que busca se reestruturar e tornar sua operação rentável, e do laudo de viabilidade econômico-financeira como instrumento de análise para a tomada de decisão por parte dos credores e da Justiça.

Como saber se é hora de realizar um pedido de recuperação judicial?

Retomando essa questão, é importante avaliar se um pedido de falência e recuperação judicial pode estancar a deterioração dos recursos e dos ativos da empresa, necessários à sua reestruturação e turnaround[2]. Vejamos alguns sinais comuns de que a empresa está tendo dificuldade não apenas em sustentar a sua operação, mas piorando sua viabilidade econômica em médio e longo prazos.

A empresa tem recorrido frequentemente a:

  • Antecipação de recebíveis
  • Postergação de compromissos financeiros
  • Busca de recursos externos para complementação de capital de giro

A empresa apresenta níveis elevados de:

  • Dívidas em aberto e em execução
  • Passivos trabalhistas e fiscais
  • Rotatividade de clientes e funcionários

A empresa apresenta há algum tempo:

  • Baixa rentabilidade
  • Baixa liquidez
  • Falta de planejamento e controles

Uma análise dessas questões pode sinalizar se a empresa caminha para um processo de falência, estratégia que, uma vez aprovada pelos credores, pode dar tempo e energia para a empresa se reestruturar e se recuperar. Afinal, quanto mais permanecer operante nesses moldes, mais acumulará dívidas e inviabilizará sua recuperação judicial.

O processo de recuperação judicial[3]

De acordo com as novas regras da Lei de Recuperação Judicial, que entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2021, pessoas físicas e produtores rurais (mesmo os que atuam como pessoa física) podem entrar com pedido de recuperação judicial. Cooperativas, ONGs, associações, empresas públicas, sociedades de economia mista e instituições financeiras não podem lançar mão dessa medida legal.

Aliás, se a empresa tiver um sócio majoritário ou administrador que já tenha sido condenado por crime previsto na Lei de Recuperação de Empresas[4] – como fraude contra credores ou violação de sigilo empresarial – essa empresa também não pode pedir recuperação judicial.

Esclarecidos esses pontos, uma vez feito o pedido na Justiça, a empresa deve providenciar, dentre outros, os documentos contábeis dos três últimos anos, a relação completa dos credores, a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores.

A vantagem com as novas regras é que o juiz pode determinar a suspensão de todas as execuções contra a empresa antes mesmo que os documentos sejam analisados e é nesse período que a empresa pode tentar um acordo com os credores através da renegociação de dívidas.

Se o processo for aprovado pelo juiz, durante 180 dias (com possibilidade de prorrogação para mais 180 dias), os processos e execuções contra a empresa devedora – exceto execuções fiscais e ações trabalhistas – ficam suspensos, e o juiz nomeia um administrador judicial que será o responsável por formar uma lista de credores e por enviar correspondência a todos.

Iniciado o processo, em até 60 dias a empresa devedora deve apresentar um plano de recuperação, cujo documento deverá detalhar as medidas que pretende tomar para se equilibrar. Outras duas mudanças promovidas pelas novas regras dizem respeito aos credores também poderem apresentar um plano de recuperação, e a empresa poder pedir empréstimos especiais.

Como esse tipo de empréstimo é de risco, devido ao fato de a empresa estar em iminência de falir, é concedida à instituição que o fornece uma série de garantias, inclusive a de que ela tenha prioridade em receber o dinheiro de volta caso a empresa não consiga cumprir com o objetivo de se reerguer.

Nessa fase do processo, o juiz comunica os credores sobre a proposta da empresa devedora e concede o prazo de até 30 dias para que apresentem suas objeções. Se não houver nenhuma, o plano é aprovado, mas se houver, uma assembleia de credores é convocada para que alternativas possam ser discutidas.

Até dezembro de 2020, de acordo com a Lei, toda a assembleia deveria entrar em acordo para aprovar o plano de recuperação judicial. Porém, com as novas regras, o juiz pode aprovar o plano mesmo se a assembleia não chegar a um acordo.

Com o plano aprovado, as dívidas anteriores são substituídas pelas novas condições descritas no plano de recuperação. O processo continua sob supervisão da Justiça por dois anos, porém, a execução do plano costuma levar mais tempo, até que o acordo seja cumprido.

Outra possibilidade para a empresa em processo de recuperação judicial é poder realizar um acordo com o governo para quitar as dívidas de impostos. Se não conseguir esse acordo, pode tentar um parcelamento, que antes era de 84 meses, e agora foi ampliado para até 120 meses.

Também, a Receita Federal e a Fazenda Nacional podem encerrar o parcelamento das dívidas fiscais da empresa se considerarem que ela está se desfazendo de ativos para fraudar a recuperação judicial. Com essa regra fica mais fácil para a Receita realizar o pedido de falência.

Se o plano de recuperação judicial não for cumprido, a credora pode pedir a execução do acordo ou entrar com pedido de falência. A falência também pode ocorrer se o plano não for aprovado pelo juiz e, nesse caso, a empresa encerra as suas atividades e os ativos são vendidos para pagamento das dívidas.

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Exemplos de empresas que entraram em processo de recuperação judicial

Saraiva[5]

Para exemplificar o processo, a rede de livrarias entrou em processo de recuperação judicial e propôs vender parte de suas lojas (tanto físicas como virtuais) como forma de levantar dinheiro para pagar parte de seus credores, gerar capital de giro para a continuidade da operação para, então, arcar com o pagamento de créditos assumidos depois da recuperação judicial. Essa foi a proposta oferecida como forma de quitar suas dívidas e continuar operando.

Pelas lojas físicas, a Saraiva pediu pelo menos R$ 113 milhões; pelas lojas virtuais, no mínimo R$ 90 milhões e pelo grupo misto (composto de lojas físicas e lojas virtuais) um valor ainda não foi definido, mas os recursos obtidos serão compartilhados entre o fluxo de caixa e o pagamento de credores.

Já em se tratando dos credores quirografários[6], eles deverão escolher entre duas formas de pagamento: a primeira prevê que os créditos sofram deságio de 80% e os 20% restantes sejam pagos com os recursos apurados com a venda das unidades.

Se o valor não for suficiente para arcar com a quitação de cada crédito quirografário ou microempresa ou empresa de pequeno porte, o saldo necessário para o pagamento dos 20% serão pagos em 11 anos em parcelas mensais, com prazo de 13 a 37 meses. Ainda, os credores poderão optar pelo reperfilamento, no qual os créditos seguirão um fluxo de pagamento trimestral possivelmente até 2048.

Uma novidade que surgiu com esta versão do plano de recuperação judicial é a opção de os credores pós-concursais aderirem ao plano. Nesse caso, a Saraiva prevê o pagamento de 50% das dívidas com recursos apurados pelas vendas de uma das unidades (loja física ou loja virtual ou grupo misto) e o restante em cinco anos, em parcelas mensais com prazos que variam de 13 meses a 37 meses, proposta a ser submetida à assembleia para aprovação.

No caso da Saraiva, vemos o quão necessário é um laudo de avaliação econômico-financeira, porque é através dele que esses valores serão calculados e atestados e com base neles, possam ser traçadas estratégias de venda que ajudem a empresa a se recuperar.

Latam[7]

Em maio de 2020, a companhia aérea entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos devido aos impactos causados pela pandemia, de acordo com a Lei de Falências dos EUA. A Latam Brasil, porém, só entrou no processo em julho de 2020 e, até o presente momento a dívida da empresa está em quase US$ 18 bilhões (aproximadamente R$ 98,2 bilhões).

Em fevereiro de 2021, a Latam continuava em processo de recuperação judicial e retirou a proposta de redução permanente dos salários optando por um corte temporário nos valores fixos e variáveis. Além disso, a proposta da Latam prevê um período de 12 meses de estabilidade para os tripulantes com contratos ativos. Outra mudança prevista é a suspensão na equiparação salarial de tripulantes contratados a partir de fevereiro. Assim, a Latam deseja a flexibilização de uma cláusula: a atual convenção coletiva que prevê o mesmo salário para novos contratados.

Se a proposta for aprovada, os novos contratados terão garantidos apenas o piso da categoria, mas não o da empresa. Para o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), a medida abre brecha para a Latam demitir funcionários com salários maiores e contratar funcionários com remuneração menor.

Assim como a Saraiva, a Latam enviou as novas propostas de acordo para serem apreciadas e colocadas em votação em assembleia.

Conclusão

Todo o processo de recuperação judicial detalhado neste artigo, bem como os exemplos citados da Saraiva e da Latam, reforça a importância de um laudo de avaliação econômico-financeira bem elaborado, por empresa ou profissional experiente e especializado, pois é com base nele que a empresa atestará suas reais condições de contornar a situação deficitária, e se reestruturar para uma potencial recuperação.

Esse laudo é apresentado como um instrumento para convencer os credores de que a empresa ainda é viável econômica e financeiramente para continuar gerando receita e que apenas é necessário dar a ela um tempo para se recuperar e se reestruturar em médio e longo prazos. Sem esse relatório, uma empresa que está à beira da falência dificilmente conseguirá escapar da ação dos credores, e qualquer possibilidade de se reerguer pode ficar bastante reduzida. Outro ponto importante a se considerar é a isenção do laudo, já que deve ser elaborado e atestado por uma empresa ou especialista independentes, que farão uma análise fria, sem favorecer nenhuma das partes, com o objetivo de apresentar dados e cálculos que facilitem a análise da viabilidade econômico-financeira da sua recuperação pelos envolvidos no processo.

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[1] Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14112.htm> Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

[2] Expressão em inglês para “dar a volta por cima”. Nos negócios, o turnaround é um processo de gestão e reestruturação para converter uma empresa deficitária em rentável.

[3] Disponível em < https://economia.uol.com.br/guia-de-economia/recuperacao-judicial-empresa-falencia-fases-processo.htm> Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

[4] Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm> Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

[5] Disponível em < https://www.publishnews.com.br/materias/2020/11/17/saraiva-apresenta-setima-versao-do-seu-plano-de-recuperacao-judicial> Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

[6] O credor quirografário é um tipo de credor que, diante da falência ou recuperação judicial da companhia devedora, não possui direitos preferenciais no recebimento da dívida.

[7] Disponível em < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/latam-propoe-reducao-salarial-por-12-meses-em-negociacao-com-tripulantes.shtml> Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

Referências

ANDRETTA, Filipe. Entenda o que é recuperação judicial e falência, que têm novas regras. UOL, São Paulo, 26 de janeiro de 2021. Disponível em https://economia.uol.com.br/guia-de-economia/recuperacao-judicial-empresa-falencia-fases-processo.htm. Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Portal da Legislação, Brasília, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Portal da Legislação, Brasília, 24 de dezembro de 2020. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14112.htm. Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

BRIGATTI, Fernanda. Latam propõe redução salarial por 12 meses em negociação com tripulantes. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1 de fevereiro de 2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/latam-propoe-reducao-salarial-por-12-meses-em-negociacao-com-tripulantes.shtml. Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

REDAÇÃO. Saraiva apresenta sétima versão do seu plano de recuperação judicial. Publishnews, 17 de novembro de 2020. Disponível em https://www.publishnews.com.br/materias/2020/11/17/saraiva-apresenta-setima-versao-do-seu-plano-de-recuperacao-judicial. Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

REDAÇÃO. Saraiva propõe novo adiamento da assembleia de credores. Publishnews, 26 de janeiro de 2021. Disponível em https://www.publishnews.com.br/materias/2021/01/26/saraiva-propoe-novo-adiamento-da-assembleia-de-credores. Acesso em 5 de fevereiro de 2021.

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