No final do ano passado, o Brasil enfrentou mais uma crise hídrica que acendeu um alerta sobre quais riscos o país corre caso esse período de secas se repita. No começo de 2022, com as fortes chuvas que atingiram o sul da Bahia, Minas Gerais e a região serrana do Rio de Janeiro, os índices voltaram a subir nos reservatórios. Porém, ainda há uma certa preocupação se o problema poderá acontecer novamente e quais as consequências que precisarão ser enfrentadas devido às medidas de urgência tomadas com o objetivo de conter a crise.
Sobre o histórico de crises hídricas, as medidas tomadas e as consequências que podemos enfrentar e como lidar com elas é do que esse artigo tratará.
Antecedentes da crise hídrica
Há dez anos há um déficit de precipitação na maior parte das bacias hidrográficas do Sistema Interligado Nacional (SIN)[1]. Essas vazões que ocorrem abaixo da média histórica têm causado um esvaziamento progressivo dos reservatórios, principalmente na bacia do rio Paraná, onde foram registradas as piores sequências hidrológicas desde que as medições começaram há 91 anos[2].
Apenas no ano de 2021, os prejuízos da seca ultrapassaram R$ 33 bilhões. De 2012 a 2021, o total do prejuízo foi de R$ 336 bilhões, tanto no setor público quanto no privado, e as áreas mais impactadas foram a agrícola e a pecuária, respectivamente[3]. Os déficits observados nesse período de dez anos têm deixado o solo cada vez mais seco, o que faz com que seja necessário um volume maior de chuvas para o reabastecimento dos reservatórios, e isso veio a acontecer com as chuvas do início do ano, porém, causando uma série de estragos e mortes.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente a cidade de Salvador teve o verão mais chuvoso em 42 anos, tendo chovido 140% acima da média prevista. Em Petrópolis, no Rio de Janeiro, as enchentes que ocorreram em fevereiro elevaram em 186% o número de sinistros de automóveis. Ainda, o valor pago em indenizações de seguro de automóveis em janeiro cresceu 34%, somando R$ 2,38 bilhões. Com isso, diversas seguradoras tiveram um custo elevado em 26% por danos a residências, o que representa o valor de R$ 123 milhões. De acordo com dados da companhia de seguros Swiss Re, as enchentes já afetam quase um terço da população mundial, representando um perigo maior do que qualquer outro[4].
Devido a essa situação, e para garantir o fornecimento de energia, foi criada a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG) por meio da MP 1.055/21[5]. Diante de tudo isso, segundo nota técnica publicada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)[6], foram apresentados dois cenários possíveis: um se não chovesse o suficiente e outro se chovesse o suficiente. Como já sabemos que choveu o suficiente, então falaremos do que acontece a partir de agora.
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Medidas tomadas para conter a crise hídrica[7]
É importante dizer que algumas medidas já foram tomadas pelo governo para conter a crise hídrica antes mesmo de ocorrerem as chuvas do início de 2022. Uma delas foi, desde outubro de 2020, a contratação de energia gerada por usinas termelétricas, que são mais caras e mais poluentes. Essa medida foi tomada para poupar água dos reservatórios das usinas hidrelétricas e, por esse motivo, a tarifa para os consumidores aumentou.
Contudo, objetivando reduzir o custo da energia, decidiu-se limitar a contratação das termelétricas e a eventual importação de energia do Uruguai e da Argentina a 10 mil mW médios. Para fazer frente ao custo mais alto de energia, foi estabelecida a já referida bandeira de escassez hídrica, que impõe uma cobrança adicional de R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos, com exceção das famílias de baixa renda, enquadradas na Tarifa Social, que estão sem cobrança extra desde dezembro.
Fim da bandeira de escassez hídrica[8]
Após seis meses de cobrança extra na conta de luz e de uso de usinas termelétricas, a bandeira verde voltará a ser adotada a partir do mês de maio. Isso devido às já citadas fortes chuvas do começo do ano. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível médio dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegou a 63,3% em março, que foi o último mês do período chuvoso, sendo que o SIN atingiu 49,4% apenas em janeiro, fazendo com o Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico (CMSE) decidisse reduzir a geração de energia por usinas termelétricas em fevereiro[9].
O volume de chuvas registrado é quase o dobro de março de 2021 e, com essa melhora no nível dos reservatórios, o preço da energia no mercado atacadista está em R$ 55,70 por mWh, que é o menor valor possível no sistema atual, sendo que, no auge da crise, o valor havia ficado três meses no teto estabelecido para 2021, que era de R$ 583,88 por mWh.
Apesar do alívio proporcionado, a conta de luz continuará pressionada devido ao uso elevado de usinas térmicas no ano passado. Uso esse que serviu de justificativa para a concessão de um empréstimo de R$ 5,3 bilhões ao setor. Outro motivo para a conta de luz continuar pressionada é devido à decisão do governo de realizar a contratação de usinas emergenciais para tentar encher os reservatórios. Essas usinas foram contratadas em leilão – realizado em outubro de 2021 – para entregar 775 mW médios entre 2022 e 2025 por um custo de R$ 39 bilhões. A explicação do governo foi a de que era necessário reforçar os reservatórios para evitar riscos de racionamento nos próximos anos, no entanto, agora, com as usinas hidrelétricas novamente em boas condições, os projetos se mostram desnecessários.
Outra questão é que essas usinas emergenciais devem iniciar a geração de energia em maio e há problemas quanto à localização de algumas usinas, que podem acabar esgotando a capacidade regional de escoamento de energia e forçar o desligamento de usinas mais baratas[10].
Outras medidas que podem ser tomadas[11]
- Manutenção do estímulo à geração distribuída (GD)[12] por meio de incentivos estaduais e de financiamento facilitado;
- Simplificação dos processos de licenciamento ambiental de projetos de geração, principalmente de fontes renováveis previstas no planejamento que possuem prazos mais curtos de construção;
- Implementação de regras estruturais para a aplicação do programa de resposta da demanda, com base nas sugestões apresentadas pelos consumidores no âmbito dos projetos piloto e do processo de redução voluntária emergencial de 2021;
- Retomada do horário de verão para obtenção da modulação da carga;
- Aprimoramento do programa de aumento de eficiência do consumo de energia elétrica, com finalidade de economia nos gastos e estímulo da indústria no provimento de equipamentos mais eficientes;
- Aperfeiçoamento das regras das bandeiras tarifárias para sinalizar gradativamente ao consumidor a gravidade da situação energética, assim como definir antecipadamente os seus valores, para minimizar as variações bruscas nos reajustes de valores e criação de novos patamares;
- Antecipação das obras de transmissão, cujo atraso ainda é, muitas vezes, um gargalo para os geradores de fontes renováveis.
Conclusão
As fortes chuvas trouxeram enormes estragos e perdas para a população e colaboraram para encher os reservatórios. Tristeza de um lado e alívio de outro. No entanto, as medidas tomadas pelo governo com o empréstimo feito às distribuidoras de energia para cobrir os custos da crise chegará aos nossos bolsos em 2023. Neste ano de 2022, nós ainda não iremos pagar por esse valor, sendo já anunciado que a bandeira verde irá voltar e, com isso, a conta de luz irá diminuir e as distribuidoras de energia serão responsáveis por reembolsar os bancos, mas isso apenas até ano que vem, quando esse dinheiro será cobrado na forma de um novo encargo, ainda a ser definido[13].
Ou seja, as consequências da crise hídrica ainda serão sentidas por um bom período pela frente e esse momento de alívio que iremos ter servirá para pensar em formas de poupar dinheiro individualmente e valor em caixa para empresas, para lidar com os baques que ainda virão. Claro que tudo também irá depender de como será o cenário político, já que no final deste ano teremos eleições. De qualquer forma, a ordem agora é não arriscar e aguardar os próximos rumos.
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[1] Trata-se de um sistema de coordenação e controle, criado em 1998, que congrega o sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil, formado por empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte. Apenas 1,7% da capacidade de produção de eletricidade do país se encontra fora do SIN.
[2] Disponível em: https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/artigos/artigo_crise_hidrica_rev4.pdf. Acesso em 14 de abril de 2022.
[3] Disponível em: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/reservatorios-de-agua-recuperam-capacidade-mas-ainda-nao-atingem-patamar-ideal.html. Acesso em 21 de abril de 2022.
[4] Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/seguros-preste-atencao-ao-contratar-e-evite-prejuizos-com-as-chuvas/. Acesso em 22 de abril de 2022.
[5] Essa Medida Provisória estabelece medidas emergenciais para o enfrentamento da crise hídrica.
[6] Disponível em: https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/artigos/artigo_crise_hidrica_rev4.pdf. Acesso em 14 de abril de 2022.
[7] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/crise-da-agua/noticia/2022/02/02/crise-hidrica-com-melhora-nos-reservatorios-comite-reduz-contratacao-de-termeletricas.ghtml. Acesso em 20 de outubro de 2022.
[8] Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/04/16/fim-da-taxa-extra-na-conta-de-luz.htm#:~:text=Termina%20neste%20s%C3%A1bado%20a%20cobran%C3%A7a,de%20energia%20foi%20totalmente%20afastado%22. Acesso em 20 de abril de 2022.
[9] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/crise-da-agua/noticia/2022/02/02/crise-hidrica-com-melhora-nos-reservatorios-comite-reduz-contratacao-de-termeletricas.ghtml. Acesso em 20 de abril de 2022.
[10] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/04/mercado-espera-alivio-na-conta-de-luz-apos-nivel-de-reservatorios-dobrar-em-um-ano.shtml. Acesso em 20 de abril de 2022.
[11] Disponível em: https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/artigos/artigo_crise_hidrica_rev4.pdf. Acesso em 14 de abril de 2022.
[12] Ela sendo instalada junto à carga desonera o sistema interligado, podendo auxiliar na recomposição dos níveis de armazenamento, com destaque para a velocidade de implantação em relação às usinas de grande porte.
[13] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-02/emprestimo-distribuidoras-de-energia-sera-de-ate-r-108-bilhoes. Acesso em 22 de abril de 2022.
Bibliografia
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FRANÇA, Anna. Seguros: preste atenção ao contratar e evite prejuízos com as chuvas. IstoÉ Dinheiro, 4 de abril de 2022. Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/seguros-preste-atencao-ao-contratar-e-evite-prejuizos-com-as-chuvas/. Acesso em 22 de abril de 2022.
LIAN, Daniel. Reservatórios de água recuperam capacidade, mas ainda não atingem patamar ideal. Jovem Pan, 15 de abril de 2022. Disponível em: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/reservatorios-de-agua-recuperam-capacidade-mas-ainda-nao-atingem-patamar-ideal.html. Acesso em 21 de abril de 2022.
MÁXIMO, Wellton. Empréstimo a distribuidoras de energia será de até R$10,8 bilhões. Agência Brasil, Brasília, 3 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-02/emprestimo-distribuidoras-de-energia-sera-de-ate-r-108-bilhoes. Acesso em 22 de abril de 2022.
PAMPLONA, Nicola. Mercado espera alívio na conta de luz após nível de reservatórios dobrar em um ano. Folha de S. Paulo, Rio de Janeiro, 1º de abril de 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/04/mercado-espera-alivio-na-conta-de-luz-apos-nivel-de-reservatorios-dobrar-em-um-ano.shtml. Acesso em 20 de abril de 2022.
RACANICCI, Jamile e CASTRO, Ana Paula. Crise hídrica: com melhora nos reservatórios, comitê reduz contratação de termelétricas. G1, Brasília, 2 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/crise-da-agua/noticia/2022/02/02/crise-hidrica-com-melhora-nos-reservatorios-comite-reduz-contratacao-de-termeletricas.ghtml. Acesso em 20 de abril de 2022.
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